Vou assumir o risco de trazer uma polêmica e o ódio mortal de meus companheiros corretores de imóveis com este post. Mas ao ler por completo, o leitor terá uma visão bem clara dos meus objetivos de alertar este importante “player” do seu impacto neste transtorno que são os distratos de imóveis na planta.
Atualmente temos em torno de 54% de distratos em algumas regiões e em alguns empreendimentos. A média nacional bate em 45%.
Mas porque este fenômeno está acontecendo?
Eu sou totalmente contra as generalizações que as pessoas e a grande mídia faz ao tratar de problemas cotidianos, portanto vou expor minhas pesquisas. Segundo os órgãos de justiça, advogados e construtoras, existem três importantes motivadores de distratos:
- A construtora deu causa ao distrato por não cumprimento do contrato, como por exemplo o atraso na entrega com mais de 180 dias, o cancelamento da obra, o erro gritante da obra, qualidade inferior ao contratado e assim por diante;
- O cliente compra o imóvel e na hora do empréstimo não reúne mais as condições para financiamento;
- O cliente “investidor-especulador” adquire o imóvel e no momento da entrega percebe que se devolver faz melhor negócio do que revender;
Vou tratar inicialmente do terceiro caso, que é tratado pelo judiciário, nas palavras de um desembargador, “sem nenhuma complacência”. Se detectado este contexto, o judiciário não dá ganho de causa ao comprador. Em recente evento em uma grande instituição de ensino superior este desembargador deu uma bela “puxada de orelha” nos advogados das construtoras, ele disse que o advogado não precisa ditar súmulas que “ele mesmo editou” e nem a lei, pois os juízes a conhecem, mas sim devem provar que o caso prático é de um investidor que compra para especular.
No primeiro caso é muito simples de provar, basta provar a mora do incorporador e pedir a restituição de 100% dos valores pagos. Se tudo foi provado corretamente, o judiciário deve devolver o dinheiro acrescido de multa indenizatória (aqui podem ser incluídos inclusive aluguéis pagos no período).
No segundo caso, o comprador deve provar que não reúne condições de continuar no contrato, como por exemplo, demonstrar a recusa do banco para o financiamento, não ter capital para quitar a parcela de chaves, desemprego e etc.
Qual o papel do corretor de imóveis neste segundo caso?
Examinei alguns casos de clientes que compram imóveis e depois não conseguem o financiamento, ou não conseguem pagar chaves, ou as parcelas finais. Um motivo bastante notório é a correção do contrato pelo INCC, enquanto o salário é corrigido pela inflação – o que dá uma bela diferença. Este valor de atualização pelo INCC está na ordem de 20 a 40% dependendo da época. Um discurso muito comum na hora da venda é que este valor é de “valorização do imóvel”, o que também é verdade, mas as pessoas leigas não conseguem visualizar que esta “valorização” também está no contrato a ser pago, a título de correção monetária.
Vamos usar um exemplo genérico e sem compromisso com números redondos.
Um comprador adquire um imóvel por $100. 30 meses depois, corrigido pelo INCC este valor será de $130. Aparentemente temos um lucro de $30, mas não é 100% verdade. $30 é a correção monetária do contrato no período.
O comprador recebeu esta correção nas prestações ao longo do ano. Aqui está um bom exemplo da “fábula do sapo fervido na panela”, ou seja, estas prestações vão aumentando pouco a pouco e o cliente vai se ajustando para paga-las. No final da construção, o saldo devedor de 80% não é mais de $80, mas corrigido pelo INCC vira $104. Neste momento a impressão que o cliente tem é que ela passou 30 meses pagando prestações, pagou a parcela de chaves, as semestrais e anuais, e ainda tem os mesmos $100 para pagar.
O mais sórdido neste contexto é que uma boa quantidade destes compradores não teve seus rendimentos atualizados na mesma proporção, o que pode gerar um descompasso na hora de obter o financiamento. Ainda mais em época de crise em que profissionais liberais e autônomos dão uma “congelada” nos honorários.
O Corretor de Imóveis Neste Contexto
O corretor de imóveis tem por obrigação mostrar todos os dados para seus clientes – e os riscos -, pois se o cliente comprar um imóvel com as contas muito apertadas, sem folga de caixa, ele pode chegar nesta situação e perder o imóvel, e ainda perder uma parte importante daquilo que pagou para a construtora, que pode chegar a 35% do valor pago.
Vejamos que diz o Código de Ética do CRECI, aprovado pela resolução COFECI 326/92:
Art. 4º – Cumpre ao Corretor de Imóveis, em relação aos clientes:
I – inteirar-se de todas as circunstâncias do negócio, antes de oferecê-lo;
II – apresentar, ao oferecer um negócio, dados rigorosamente certos, nunca omitindo detalhes que o depreciem, informando o cliente dos riscos e demais circunstâncias que possam comprometer o negócio;
III – recusar a transação que saiba ilegal, injusta ou imoral;
IV – comunicar, imediatamente, ao cliente o recebimento de valores ou documentos a ele destinados;
V – prestar ao cliente, quando este as solicite ou logo que concluído o negócio, contas pormenorizadas;
VI – zelar pela sua competência exclusiva na orientação técnica do negócio, reservando ao cliente a decisão do que lhe interessar pessoalmente;
VII – restituir ao cliente os papéis de que não mais necessite;
VIII – dar recibo das quantias que o cliente lhe pague ou entregue a qualquer título;
IX – contratar, por escrito e previamente, a prestação dos serviços profissionais;
X – receber, somente de uma única parte, comissões ou compensações pelo mesmo serviço prestado, salvo se, para proceder de modo diverso, tiver havido consentimento de todos os interessados, ou for praxe usual na jurisdição.
Art. 5° – O Corretor de Imóveis responde civil e penalmente por atos profissionais danosos ao cliente, a que tenha dado causa por imperícia, imprudência, negligência ou infrações éticas.
Estas são algumas reflexões que tive nesta excelente palestra do INSPER.
Direito Imobiliário em Tempos de Crise: Os “Distratos” e o Impacto no Mercado Imobiliário
Abertura Institucional:
Prof. André Antunes Soares de Camargo
Coordenador Geral do Insper Direito. Doutor em Direito Comercial pela USP
1º Painel – “A Análise do Problema sob os pontos de vista jurídico e econômico”
Palestrante: Daniel M. Boulos (aspecto jurídico)
Prof. Insper Direito. Doutor em Direito Civil PUCSP
Palestrante: Marcos Lisboa (aspecto econômico)
Economista. Presidente do Insper.
2º Painel – “A visão das Entidades de Defesa do Consumidor e das Entidades do Mercado Imobiliário”
Mediador: Dr. Rubens Carmo Elias Filho
Prof. do Insper Direito. Doutor em Direito Civil PUCSP
Palestrante: Dra.Claudia de Moraes Pontes Almeida
Advogada na área de ações judiciais do Idec
Palestrante: Dr. Marcelo Manhães de Almeida
Presidente da Comissão de Direito Urbanístico da OABSP; Vice-presidente da Mesa de Debates de Direito Imobiliário – MDDI; Membro do Conselho Municipal de Habitação da Cidade de São Paulo; Membro do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo – CONPRESP
3º Painel – “A tentativa do Governo de Regulamentar a Matéria: Avanços e Retrocessos”
Palestrante: Prof. Armando Rovai (SENACON)
Doutor em Direito pela PUCSP
Debatedor: Prof. Daniel M. Boulos
Prof. do Insper Direito. Doutor em Direito Civil PUCSP
Debatedor: Desembargador Francisco Eduardo Loureiro (TJSP)