No dia 10 de outubro de 2020 fui visitar plantões de vendas para ver como estão as adequações da LGPD.
A primeira coisa que notei na entrada do stand, falando com a recepcionista, é que aquele plantão não estava adequado à LGPD. Embora todos os cuidados referentes a pandemia estivessem sendo realizados, me pareceu que as empresas não estão dando importância a proteção de dados de seus clientes.
É compreensível que as empresas estejam refratárias, afinal gastam muito tempo e verdadeiras fortunas para obter informações de pessoas para ofertar seus produtos e serviços. Criam as mais diversas e criativas formas de atrair pessoas para seus bancos de dados. Ninguém quer perder estas informações, ninguém quer perder vendas, e hoje informação é o novo ouro.
A LGPD compreende estes fatos e não proíbe ou limita as empresas a obter informações de potenciais clientes e os abordem ofertando seus produtos e serviços. A novidade está no compromisso ético das empresas de que estas informações não sigam para destinos ou tratamentos não programados e que vão gerar incômodo ou danos.
Em um dos stands a recepcionista me pediu os seguintes dados pessoais: Nome, endereço, e-mail e telefone. Preencheu um formulário em papel, colocou em uma pilha e não me falou nada a respeito. Apenas chamou a corretora de imóveis de uma grande imobiliária para fazer o atendimento.
O procedimento está inadequado a meu ver.
Vamos analisar este fato com base nos artigo 6º, 7º e 10º da Lei 13.709/2018:
Os tratamentos de dados devem observar (artigo 6º) a boa-fé e os princípios da finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas.
Este não foi o caso. Os três controladores que estavam no stand de vendas (incorporador, imobiliária e corretores de imóveis) em nenhum momento explicaram porquê estavam coletando meus dados (inciso I), o que iriam fazer com eles, como iriam armazená-los (inciso VII), não pediram meu consentimento de forma explícita e inequívoca e não confirmaram a exatidão dos dados (inciso V). Não me comunicaram verbalmente ou por outro meio (SMS, e-mail, whatsapp) como posso acessar os meus dados (transparência – inciso VI), como posso modificá-los, ou como posso solicitar a sua exclusão, alteração ou cessação de envio de informações e contatos.
Os controladores ali presentes podem coletar meus dados ou obtê-los de diversas formas, mas optaram por fazer de forma mecânica (papel, caneta e pessoa).
Existem diversas razões para os controladores coletarem meus dados:
Mediante consentimento do titular (eu – inciso I) para ações de marketing, contatos futuros, envio de material por correio, envio destas informações para parceiros (entre as empresas no stand já se considera envio e recepção de dados pois são empresas distintas e profissionais liberais com contrato de corretores associados, e não existe vínculo empregatício). Para cumprimento legal ou regulatório (inciso II), não se aplica. Para execução de contratos (inciso V), as informações para contratos normalmente são pedidas no momento de preenchimento do contrato, e são necessárias muito mais informações e apresentação de documentos, o que não era o caso. Para futura instrução processual (inciso VI), esta pode ser uma justificativa se olharmos uma futura disputa por comissões, ou até a comprovação se o cliente foi ou não ao stand, quem o atendeu. Isto precisa ser informado, de uma forma ou outra. Os incisos VII, VIII e X também não aplicam ao caso. O inciso IX fala do Legítimo Interesse dos operadores ali instalados, e que estão descritos com um pouco mais de detalhes no artigo 10º. Este é um dos pontos mais controversos da lei, pois abre muitas possibilidades para as empresas, mas carrega também mais responsabilidades e maior responsabilização em caso de tratamento inadequado por parte dos controladores. As informações coletadas deverão ser exclusivamente as necessárias ao fim que se destinam, e deverão informar com transparência e de forma proativa (“adotar medidas”) os titulares que este é o caso, e para quê.
Outro ponto relevante é a própria guarda e manipulação do formulário físico aonde foram coletados os meus dados. Não posso afirmar o que foi feito dele, mas devo lembrar que a LGPD incide sobre dados em ambiente físico e digital, ou qualquer outro meio. É muito comum o descarte simples de papeis contendo dados de pessoas, rascunhos de contratos e cópias de documentos. Muitas vezes usam o verso da página como rascunho.
Acredito que os mercados que serão mais afetados por esta norma serão: Lançamentos residenciais, locações e venda de terceiros. Os demais segmentos não terão grandes impactos como locações comerciais.
Portanto as empresas que atuam nestes segmentos devem se preocupar em adequar suas normas internas, procedimentos, treinamentos, sistemas informatizados, contratos com parceiros, canais de comercialização, agências de ações de marketing e muitos outros. Grandes empresas já iniciaram processos de adequação dos relacionamentos com seus steakholders. O mercado imobiliário será chamado a esta responsabilidade também e para garantir sua adequação, sua posição de mercado, sua reputação e eventualmente negócios, deverá fazer adequações internas e externas. As imobiliárias serão chamadas a se adequar pois são parte extremamente sensíveis deste processo, pois coletam, usam, alteram estas informações para muitos usos. Os corretores estão na mesma situação, com o agravante que muitos mantém em seus equipamentos portáteis cópias de documentos, e-mails, mensagens sem um mínimo de segurança cibernética.
Luis Fernando Gardel Deak
Advogado – Direito Digital, LGPD e Imobiliário
Gestor de Projetos PMI, MBA
www.luisdeak.com.br – ld@luisdeak.com.br
O autor é Graduado em Direito pela UNIP, pós-graduando em Direito e Processo Civil pela EPD, especialista em direito digital e imobiliário. Membro da ANPPD. Membro da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB-SP, Membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP.
Graduado em administração de empresas, pós-graduado em marketing pela ESPM, MBA em gestão estratégica de negócios pelo ITA/ESPM, tem 25 anos de experiência no mercado de tecnologia implementando metodologias, sistemas de gestão empresarial, consultoria empresarial.
Corretor de imóveis especializado em imóveis comerciais (CRECI-SP 131.710-F), perito avaliador (CNAI 9.898), certificado CIPS (NAR) e SRS (REBI), membro do grupo de avaliadores imobiliários do CRECI-SP, conciliador na JUCON (Junta de Conciliação) da CEFISP (Comissão de Ética e Fiscalização Profissional) do CRECI SP. 8 anos de experiência em transações imobiliárias de locação e vendas de espaços corporativos para escritórios, varejo e logística.